A poucos dias do início do debate anual da Assembleia Geral da ONU, marcado para dia 19, o International Crisis Group (ICG), uma organização independente voltada para a resolução e prevenção de conflitos armados internacionais, fez em relatório uma antevisão dos principais desafios da ONU, sublinhando que 2023 está a ser um ano difícil para a organização, muito devido ao aumento das tensões entre as grandes potências, e que as dificuldades deverão aumentar nos próximos meses.

"À medida que o quadro geopolítico se obscurece, o Conselho [de Segurança] conseguiu apenas respostas medíocres a muitas das crises do ano passado. Fez pouco mais do que declarações de preocupação sobre casos que vão desde o colapso do Sudão, em abril, até ao golpe de Estado no Níger, em julho. Os intervenientes regionais têm procurado cada vez mais assumir a liderança na resolução destas situações, embora com pouco sucesso, deixando a ONU à margem", observou o ICG.

Nesse sentido, e com as atenções já viradas para o próximo ano, a organização independente identificou dez desafios que a ONU dará prioridade em 2024.

Em primeiro lugar, o ICG aponta a recuperação da relevância política no Sudão, onde a eclosão dos combates entre exército sudanês e os paramilitares das Forças de Reação Rápida (RSF) praticamente pôs fim ao já diminuído trabalho que a Missão da ONU no país (Unitams) estava a realizar.

A toda esta situação soma-se a demissão do enviado da ONU no Sudão, o alemão Volker Perthes, que havia sido considerado 'persona non grata' pelo exército sudanês no início de junho.

Restaurar o apoio ao desenvolvimento do Afeganistão é o segundo desafio enumerado pelo ICG, que, embora salientando o "feito heroico" da ONU ao organizar uma onda de ajuda humanitária no país após a tomada do poder pelos Talibãs em 2021, aponta que as Nações Unidas parecem "cada vez mais um vilão aos olhos tanto dos doadores, como das autoridades talibãs" e a sua presença no Afeganistão "parece em risco de diminuir".

O terceiro desafio será ajudar o Haiti a sair da sua crise política e de segurança, enquanto gangues criminosos controlam a maior parte de Port-au-Prince e expandiram a sua presença além da capital.

Durante quase um ano, nenhum país parecia disposto a liderar a força multinacional tão defendida pelo secretário-geral da ONU, António Guterres. Mas o anúncio do Quénia, no final de julho, de que iria assumir este papel abriu a porta para o Haiti receber a ajuda de que tanto necessita.

Durante o destacamento dessa força multinacional, caberá aos Estados-membros e funcionários da ONU promoverem o diálogo entre os partidos dos vários espetros políticos; apoiar os esforços das autoridades de transição para restabelecer instituições estatais funcionais; e encorajar o acordo sobre um calendário para futuras eleições que conte com a aprovação de todas as principais forças políticas, defendeu o ICG.

A situação no Sudão do Sul é o quarto desafio apontado pela organização, um vez que, no próximo ano, a Missão da ONU no país (Unmiss) enfrentará uma difícil escolha sobre se apoiará as primeiras eleições nacionais, que estão agendadas para dezembro de 2024.

As eleições deveriam ser um marco na evolução do Sudão do Sul, país que conquistou a independência em 2011, mas entrou em guerra civil dois anos depois. Porém, na prática, poderão resultar numa nova onda de conflito.

Em quinto lugar, o ICG diz que encontrar novos caminhos para o envolvimento político no Mali será uma das prioridades das Nações Unidas, tendo em conta a decisão do Governo local, que em junho exigiu a retirada das forças de manutenção da paz do seu território, deixando a ONU com poucas oportunidades para permanecer politicamente envolvida no país.

Recuperar uma posição política na Ucrânia é o sexto desafio das Nações Unidas, com o ICG a indicar que não está claro se a ONU voltará a ter oportunidades para lançar iniciativas de mitigação do conflito num futuro próximo semelhantes ao acordo dos cereais.

"Por enquanto, a melhor abordagem da organização à guerra pode ser continuar a oferecer toda a ajuda possível à população em sofrimento, preservando ao mesmo tempo a opção de apoiar esforços de maior visibilidade para aliviar os combates, ou ajudar a acabar com eles, se o campo de batalha e as condições diplomáticas mudarem", defendeu a organização.

A gestão dos riscos de segurança da Inteligência Artificial (IA) entrará na equação da ONU em 2024: "De todas as áreas examinadas na Nova Agenda para a Paz da ONU, a IA -- e o seu impacto potencial na paz e segurança internacionais -- está em primeiro lugar entre as preocupações de Guterres", sublinha o ICG.

"Do ponto de vista da paz e da segurança, a atenção é justificada, uma vez que o crescimento exponencial da IA está a aguçar a concorrência geopolítica e a aumentar as tensões", frisou.

Aproveitar o impulso criado pelo apelo da Nova Agenda para a Paz para "desmantelar o patriarcado" e alcançar avanços na Agenda da Paz durante a COP28, no Dubai, são o oitavo e nono desafios, respetivamente, que a ONU terá em 2024.

Por fim, e na sequência dos apelos que vêm ganhando impulso nos últimos anos, as Nações Unidas terão de continuar a procurar a reforma do seu Conselho de Segurança, frequentemente considerado obsoleto.

"Se o Conselho se revelar imune às reformas, a sua credibilidade diminuirá ainda mais junto de muitos países", frisou o ICG, mas reforçando que os obstáculos processuais e políticos a essa reforma sempre foram "extremamente elevados".

Apesar dos inúmeros desafios que as Nações Unidas enfrentam, o International Crisis Group sustenta que "ainda existem razões para acreditar que a ONU pode desempenhar um papel na manutenção da paz e da segurança internacionais, mesmo que o quadro geopolítico permaneça sombrio".

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