"Andei por três dias até chegar à sede distrital de Chiùre, sem o meu marido", conta à Lusa a camponesa, que acabou por encontrar depois os filhos.

Não se lembra da sua idade, mas recorda-se de décadas de uma vida simples e sem o barulho das armas que hoje é comum na sua aldeia e nos arredores no interior do distrito moçambicano de Chiùre, a 150 quilómetros da capital provincial (Pemba).

Mmala, a mais de 50 quilómetros da sede distrital, está entre as aldeias, localidades e povoados nos arredores da sede de Chiùre que foram surpreendidos por uma nova vaga de ataques rebeldes em direção ao sul de Cabo Delgado, após um período de relativa estabilidade que devolveu a esperança do fim de um conflito que já provocou mais de um milhão de deslocados e milhares de mortes, além de um rastro de destruição em diversos pontos, sobretudo a norte da província.

"Na minha aldeia, eles queimaram escolas e unidades de saúde (...) Eu estava sozinha, sem a minha família", lamentou a camponesa, agora sentada à porta da casa da família do marido na sede de Chiùre, onde, como tantas outras pessoas, procurou refúgio há pouco mais de uma semana.

Na sede de Chiùre, os desafios de Elionia Paulo e tantos outros deslocados agora são alimentação e abrigo. No total, segundo dados oficiais, 67.321 pessoas fugiram dos ataques armados das últimas semanas em resultado desta nova vaga, justificada pelo executivo moçambicano como resultado da "movimentação de pequenos grupos de terroristas" que saíram dos seus quartéis (...) em direção ao sul.

Os populares em fuga são sobretudo moradores de Mazeze, Chiúre-Velho, Mahipa, Alaca, Nacoja B e Nacussa, maioritariamente pontos do interior de Chiùre, onde milhares de pessoas estão a abandonar as respetivas aldeias percorrendo quilómetros ao longo da estrada Nacional (N1).

Na aldeia de Elionia Paulo, quase a totalidade das cerca de 11 mil pessoas que lá viviam foram obrigadas a fugir após dois ataques consecutivos, avançou à Lusa Lourenço Ancuara, o chefe da aldeia, frisando que Mmala "está vazia".

Diferentes relatos de populares que fugiram à entrada de rebeldes em Mmala avançam a morte de pelo menos sete pessoas no ataque que obrigou Elionia Paulo a fugir e outras infraestruturas queimadas.

A sede de Chiùre transformou-se, assim, no último reduto destas comunidades, obrigadas a fazer uma viagem de quase três dias, a pé, por campos agrícolas, estradas, num movimento de milhares de pessoas em simultâneo.

Mas a vila sede também vive sob espetro do medo, com as comunidades e forças policiais em alerta, já que nas últimas semanas parte considerável dos ataques registados ocorreram em povoados, localidades e aldeias dos arredores.

"Na verdade, a tendência é eles cada vez mais a aproximar-se (...)a cerca de dez quilómetros a 15 quilómetros", disse à Lusa o presidente do Conselho Municipal da Vila de Chiùre, Alicora Ntutunha.

A azáfama típica de qualquer vila sede moçambicana que abraça a Estrada Nacional Número 1, a principal do país, agora morre depois das 18:00 em Chiùre, com os comerciantes a fecharem os estabelecimentos e as pessoas as portas das suas casas.

Embora o receio de um ataque direto à vila, para Elionia Paulo, Chiùre foi a melhor opção para procurar refúgio, sustentando que se o seu marido estiver vivo é para casa que ele se irá dirigir em caso de emergência.

Apesar de manter a esperança, a angústia revela-se no olhar distante de Elionia Paulo, reforçada, sobretudo, pelas notícias que correm, de boca em boca, sobre novas movimentações dos grupos rebeldes.

Entretanto, o objetivo imediato passa sobretudo por sobreviver, tentando, junto com a família do marido, fintar a falta de comida.

*** Estêvão Chavisso (texto e vídeo) e Rui Celestino Minja (fotos), da agência Lusa ***

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