"É preciso adaptarmo-nos a esta nova realidade, porque a gente não sabe o que é que vai acontecer, como é que a polícia vai reagir", explicou à Lusa Marcial Macome, do Departamento de Informação da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, maior partido da oposição), sobre a distribuição de máscaras às centenas de pessoas que se concentraram na saída da marcha de hoje, algumas delas já vindo também elas prevenidas, que ligou os arredores ao centro de Maputo entre a manhã e a tarde.

Na passada sexta-feira, 27 de outubro, na anterior marcha promovida pelo candidato da Renamo à autarquia de Maputo, Venâncio Mondlane, que reclama vitória na capital, pelo menos dez pessoas ficaram feridos após a intervenção da polícia, que realizou vários disparos de gás lacrimogéneo.

"Nós precisamos de nos precaver, precisamos de precaver as pessoas que estão aqui na marcha, de modo que, havendo alguma necessidade, possam usar as máscaras para se protegerem (...) A gente não sabe a força proporcional que a polícia vai usar", acrescentou Macome.

Numa outra manifestação da Renamo em Maputo, em 17 de outubro, apelidada igualmente de "pacífica", a polícia recorreu também a gás lacrimogéneo para conter os milhares de manifestantes, o que já não aconteceu hoje.

Ainda assim, Eugénio Cabiço, 52 anos e apoiante da Renamo, não precisou das máscaras distribuídas pelo partido e decidiu trazer uma do trabalho, que utilizou em toda a marcha, apesar do calor do dia: "É para me proteger".

Garantiu que esteve nas mesas de votação da capital nas eleições do dia 11 de outubro e que assistiu à manipulação da contagem, que segundo a Comissão Nacional de Eleições (CNE) deu lugar a vitória à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), daí sair à rua hoje.

"O povo quer repor a Justiça e nós queremos governar", atirou.

Da mesma forma, Freddy Wamusse, 22 anos, relatou que foi atingido pelo gás lacrimogéneo na passada sexta-feira, pelo que hoje decidiu não arriscar e trouxe uma máscara profissional de casa.

"É uma forma de se precaver porque não se sabe o que pode acontecer, com o gás", admitiu, explicando que se junta a estes protestos pela "contestação pacífica" aos resultados eleitorais e em "defesa" da democracia.

Com saída da Praça da Juventude, no Bairro Magoanine, arredores da cidade de Maputo, cerca das 11:00 locais (09:00 de Lisboa), milhares de manifestantes marcharam durante mais de quatro horas até ao centro da capital, sem registo de qualquer incidente, escoltados pela polícia. Pelo caminho, gritaram em coro "ladrões" na passagem pela sede da Frelimo, mas igualmente sem incidentes, perante a presença da polícia.

À saída, além das máscaras cirúrgicas, que todos procuravam e que foram oferecidas por membros do partido face ao cenário anterior, seguiu-se a repetição de conselhos.

"Todos nós somos pela marcha pacífica, não violenta (...) havendo uma força da polícia que comece a disparar, uma das orientações que vamos dar é que todos fiquem deitados no chão e que a polícia continue a disparar sem que ninguém faça nada", detalhou Marcial Macome, da Renamo.

Num percurso de 18 quilómetros, as máscaras, que se revelaram desnecessárias, não travaram a contínua repetição da pergunta retórica "mas quem ganhou", que já deu lugar a uma música cantada por todos, de todas as idades, numa alusão ao que a apelida de "megafraude" eleitoral nesta votação autárquica.

Contrariamente às duas marchas anteriores, em que houve intervenção da polícia, nomeadamente com o lançamento de gás lacrimogéneo, na manifestação de hoje, que terminou na sede da Renamo no centro de Maputo, não se registou qualquer intervenção policial.

O candidato da Renamo apelidou a iniciativa de hoje de "Marcha da vitória", mas também de "celebração" da libertação, por ordem do tribunal, de 32 jovens que tinham sido detidos no protesto anterior na capital, na passada sexta-feira.

Fernando Tevane, vendedor ambulante de 26 anos, foi um desses detidos. Passou quatro dias na cadeia, antes de ser libertado. Hoje, de máscara cirúrgica colocada e laço vermelho, "pela justiça", voltou a sair à rua ao lado do candidato da Renamo.

"Nós fomos detidos lá e não fizemos nada. Não partimos nada, não levamos nada. A polícia nos prendeu sem nenhuma prova", lamentou.

As sextas eleições autárquicas em Moçambique decorreram em 65 municípios do país no dia 11 de outubro, incluindo 12 novas autarquias, que pela primeira vez foram a votos.

Os resultados apresentados pela CNE indicam uma vitória da Frelimo em 64 das 65 autarquias do país, enquanto o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro maior partido, manteve a Beira.

A Renamo, que nas anteriores 53 autarquias liderava em oito, ficou sem qualquer município, apesar de reclamar vitória nas maiores cidades do país, contestando por isso os resultados anunciados pela CNE, cuja autenticidade tem sido visada também pela sociedade civil, organizações não-governamentais e partidos, inclusive com decisões favoráveis ao nível dos tribunais distritais.

De acordo com a legislação eleitoral moçambicana, os resultados do escrutínio ainda terão de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional, máximo órgão judicial eleitoral do país, para o qual candidaturas da Renamo, além de Maputo também de outros municípios, já recorreram.

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