As organizações ucranianas de direitos humanos emitiram um apelo público afirmando que as eleições gerais e a guerra em grande escala são incompatíveis, informou o ZMINA.Center for Human Rights, citado hoje pelo jornal ucraniano Euromaidan.

Segundo a publicação, as ONG respondem desta forma aos críticos estrangeiros, afirmando que a realização de eleições em tempo de guerra "poderia minar a unidade nacional e proporcionar oportunidades para a desinformação russa".

Em concreto, é referido o senador republicano norte-americano Lindsey Graham, que defendeu no mês passado em Kiev que concorda com o apoio financeiro e militar de Washington à Ucrânia, na condição de realizar eleições mesmo que o país esteja sob ataque russo.

Entre as organizações contam-se a Transparência Internacional Ucrânia, a Escola de Economia de Kiev, a Rede Civil OPORA, o Movimento CHESNO e outras, que afirmam que a ideia de eleições durante o conflito "é perigosa e levará à perda de legitimidade tanto do processo como dos corpos eleitos e pode desestabilizar significativamente o Estado como um todo".

De acordo com o apelo das ONG, as eleições por si só não constituem democracia e o mero ato de votar não prova que um regime seja verdadeiramente democrático e só seriam livres se fosse possível uma disputa política competitiva durante a campanha.

"As eleições não são um dia de votação, mas um debate entre diferentes partidos sobre o melhor programa para o desenvolvimento do Estado. Esse diálogo pode ser extremamente acalorado e insuportavelmente aberto, mas é a única forma de garantir um processo verdadeiramente democrático", sustentaram.

Por outro lado, recordam que o país se encontra em lei marcial, que, à luz da Constituição ucraniana, proíbe a organização de eleições, incluindo presidenciais, em tempo de guerra, devendo todas as autoridades em exercício dos cargos manterem-se em funcionamento pleno e unidas.

A lei marcial abrange a Verkhovna Rada (parlamento) da Ucrânia, que preserva os seus poderes até à primeira reunião da primeira sessão do órgão eleito após o levantamento das restrições.

"Tais disposições estão alinhadas com os princípios seguidos por outros países democráticos. Quaisquer tentativas de alterar a legislação para tornar as eleições em tempo de guerra 'formalmente legais' contradiriam o espírito da Constituição e os padrões internacionais", referem.

Outros impedimentos prendem-se com a incapacidade de participação de militares destacados para o combate ou eleitores residentes no estrangeiro.

"Isto poderia minar a unidade nacional, uma vez que verdadeiros heróis lutam e arriscam as suas vidas, enquanto os políticos lutam cinicamente pelo poder. Além disso, as campanhas de desinformação, amplamente difundidas pela Rússia na Ucrânia e a nível mundial, podem deslegitimar o processo e os resultados eleitorais, minando a credibilidade dos organizadores e participantes", alertam as ONG, que apontam também a impossibilidade de garantir a plena da liberdade de imprensa e de expressão.

Segundo o balanço mais recente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de seis milhões de ucranianos abandonaram o seu país devido à invasão russa.

Realizar eleições durante a guerra seria ainda "uma luta" num contexto em que 20% do país se encontram ocupados e outros 20% ao alcance imediato da artilharia russa

"Sendo um Estado que valoriza muito a vida e a saúde humanas, a Ucrânia não pode arriscar a vida de milhões de cidadãos quando a Rússia ataca ativamente civis em todo o país", advertem, acrescentando: "Além disso, um potencial ataque massivo de mísseis no dia das eleições poderia tornar as assembleias de voto inacessíveis e perturbar totalmente o processo".

O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, já se tinha referido, com argumentos semelhantes aos que são agora invocados pelas ONG, às próximas eleições presidenciais e parlamentares, numa conferência realizada em 08 de setembro em Kiev, mas sem fechar a porta.

"Os representantes americanos levantaram a questão", acrescentou o chefe de Estado um dia depois de uma visita à capital ucraniana do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, observando que está pronto para a votação "se o povo precisar".

"Não é uma questão de democracia", mas "apenas de segurança", indicou Zelensky, que se mantém como o político mais popular da Ucrânia.

Entre as dificuldades a ultrapassar, mencionou a organização da votação para dezenas, até mesmo centenas de milhares de soldados "nas trincheiras", e a de enviar observadores internacionais para a zona de guerra, onde continuam violentos combates e bombardeamentos.

Também disse que o país não tem infraestruturas para organizar a votação para milhões de refugiados ucranianos e poderia potencialmente montar uma votação 'online', mas que ainda não existe na Ucrânia.

"Tenho uma pergunta para os nossos parceiros: vocês reconhecerão tal votação?", questionou então Zelensky.

O chefe de Estado questionou igualmente o destino dos ucranianos que vivem nas zonas ocupadas pela Rússia: "Como vão expressar a sua vontade?", finalizou.

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