"As autoridades russas de ocupação subestimaram deliberadamente e em grande escala os mortos num dos capítulos mais devastadores dos 22 meses de guerra", escreveu a agência de notícias norte-americana.

Testemunhas que pediram para não serem identificadas, por receio de represálias das autoridades russas, disseram que foram abertas valas comuns e que corpos não identificados foram levados e nunca mais foram vistos.

A barragem rebentou na madrugada de 06 de junho, provocando grandes inundações ao longo da parte inferior do rio Dnipro.

Inicialmente, a administração de Kherson, nomeada pela Rússia, disse aos residentes para não se alarmarem porque a situação não era crítica, pelo que a maior parte das pessoas continuou a vida normal.

Mas, em poucas horas, comunidades inteiras nas margens direita, controlada pela Ucrânia, e esquerda, ocupada pela Rússia, ficaram submersas.

A Rússia, que não respondeu a perguntas da AP, disse que 59 pessoas se afogaram no território que controla, cerca de 408 quilómetros quadrados de áreas inundadas.

Mas só na cidade de Oleshky, ocupada pela Rússia, que teria uma população de 16.000 pessoas na altura da tragédia segundo os militares ucranianos, o número de mortos é, pelo menos, ao nível das centenas.

Os corpos amontoavam-se e decompunham-se no calor do verão. Funcionários dos serviços de saúde e voluntários começaram a recolher os cadáveres e a emitir certidões de óbito, mas tudo se alterou no dia 12.

Os trabalhadores dos serviços de emergência russos regressaram a Oleshky na tarde de 09 de junho e, três dias depois, assumiram o controlo da situação.

Levaram grandes camiões e equipamento de limpeza de estradas e propuseram-se transferir os residentes para duas localidades russas, mas estes recusaram e pediram apenas para serem levados para uma zona seca em Oleshky.

As autoridades russas proibiram os médicos de emitir certificados de óbito para as vítimas das cheias, disseram duas enfermeiras à AP.

A partir desse momento, contaram, as vítimas das inundações teriam de ser encaminhadas para autópsias noutras instalações da região de Kherson, em Kalanchak, Skadovsk e Henichesk.

Ali, médicos aprovados pelas autoridades de ocupação seriam responsáveis pela emissão dos certificados após a realização de exames forenses. Os familiares não podiam enterrar os mortos sem esse documento crucial.

O número exato de mortos - em Oleshky, a cidade mais populosa da zona ocupada antes da guerra, e não só - poderá nunca ser conhecido, mesmo que as forças ucranianas retomem o território e possam investigar no terreno.

As dezenas de entrevistas feitas durante a investigação revelam uma tentativa calculada das autoridades russas para encobrir o verdadeiro custo do colapso da barragem, que terá sido "provavelmente causado por Moscovo", segundo a AP.

As pessoas "não se apercebem da dimensão desta tragédia, não só na Rússia, mas também na Ucrânia", disse uma enfermeira que inicialmente supervisionou a recolha de certidões de óbito e que mais tarde fugiu para território controlado pela Ucrânia.

"É uma tragédia enorme", acrescentou.

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