Em resposta a questões da Lusa, Gabriel Sterne disse que "os dois países lusófonos africanos mais em risco de uma reestruturação da dívida soberana são Angola e Moçambique, apesar de ambas as economias terem estado melhor devido aos níveis de produção e preço do petróleo e do gás natural".

Falando no seguimento de um relatório em que analisa a influência da competição entre o Fundo Monetário Internacional e a China nos processos de reestruturação da dívida, Gabriel Sterne afirma que "ambos os países continuam com um elevado risco de sobre-endividamento soberano, com as taxas de juro [para emissões de dívida] nos mercados internacionais acima de 10%, o que provavelmente significa que é demasiado caro para eles irem ao mercado".

Assim, continua, "para entrarem em 'default' [incumprimentos nos pagamentos de dívida soberana], só é preciso que haja mais um choque negativo nas matérias-primas".

A análise de Sterne incide sobre as diferenças entre a China e o FMI, não só na abordagem, mas também nos mecanismos de resolução das dívidas dos países mais endividados e no papel de cada um destes intervenientes no futuro.

Nos últimos anos, a China tornou-se um parceiro financeiro incontornável no panorama mundial, sendo um dos principais investidores em África e um dos maiores credores dos países africanos, que constituem uma boa parte dos países mundiais em sobre-endividamento e com dificuldades em servir a dívida e, ao mesmo tempo, lançar os investimentos públicos necessários para sustentar o desenvolvimento.

Os credores oficiais internacionais têm criticado a postura da China em não aceitar perdas ou adiamentos dos pagamentos da dívida soberana, a que se junta a opacidade dos termos dos empréstimos, as consequências do incumprimento, que chegam ao corte de relações diplomáticas, e o facto de a China emprestar sem exigir contrapartidas em termos de reformas económicas ou políticas.

A necessidade de uma nova arquitetura mundial, defendida pela generalidade dos atores financeiros, tornou-se mais premente no seguimento da crise económica originada pela pandemia de covid-19, que afundou as economias e foi particularmente dura para os países da África subsaariana, retirando-lhes ainda mais espaço de manobra orçamental.

O aumento da dívida pública destes países e o envolvimento cada vez maior do FMI na região foram duas das consequências, depois de um período em que as medidas de alívio da dívida, como a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) ou o Enquadramento Comum, se sucederam, mas não foram suficientes nalguns casos, como os da Zâmbia, o primeiro país a entrar em incumprimento financeiro a seguir à pandemia.

Questionado sobre as características da relação entre Angola e China, que é um dos maiores credores e compradores do petróleo angolano, e como a 'guerra' pela influência entre China e FMI pode ter um impacto em Angola, Gabriel Sterne respondeu que "Angola é um caso particularmente interessante, já que tem a maior percentagem de dívida à China, na sua dívida total, a nível mundial, o que significa que as ligações entre os dois países são profundas".

No entanto, significa também que se houver um 'default', o alívio da dívida por parte da China teria necessariamente de ser parte da solução, o que, por seu turno, quer dizer que qualquer processo desse género levará muito tempo a resolver", apontou.

Para países como Angola e Moçambique, com níveis de dívida elevada face às receitas e face ao próprio Produto Interno Bruto do país, o analista defendeu a necessidade de manter um controlo das contas públicas e continuar com reformas que atraiam investidores internacionais.

"A melhor coisa, para além de ter sorte com os preços do petróleo e gás, é fazer um esforço adicional com uma política orçamental cautelosa para construir almofadas de segurança, já que uma crise da dívida em grande escala seria muito dolorosa", concluiu.

MBA // VM

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