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Newsletter diária • 22 ago 2023

 
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Falar de fome de barriga cheia

 
 

Edição por Ana Maria Pimentel

Há uma imagem da JMJ que não sai da cabeça, os caixotes com doações para o Banco Alimentar Contra a Fome a encherem ao longo dia, fosse porque os peregrinos queriam apenas ajudar quem tem comida a menos, fosse porque os peregrinos tinham comida a mais. O princípio foi honroso, a Jornada Mundial da Juventude e o Banco Alimentar Contra a Fome haviam estabelecido uma parceria contra o desperdício alimentar. Mas no fim cerca de 15% das 38 toneladas de alimentos recolhidos durante a Jornada Mundial da Juventude estavam impróprios para distribuição e seguiram para compostagem, revelou Isabel Jonet. Contudo, ainda assim este foi um marco e um avanço. Isabel Jonet apontou que “nunca tinha sido feita, em nenhuma Jornada [Mundial da Juventude] uma campanha de luta contra o desperdício” e defendeu que o sucesso desta campanha consegue medir-se “pela quantidade de alimentos recuperados”, já que nos outros países o que se verificou foi “um monte de comida que ficou para trás”. Isabel Jonet adiantou que foram recolhidas 198 caixas, num total de 38 toneladas de bens alimentares, que foram depois triados, uma vez que tem de ser feito o controlo de qualidade e de salubridade antes de serem distribuídos.

Vivemos numa sociedade em que nos congratulamos por apenas desperdiçar 15% de alimentos. Em que nos orgulhamos por arranjar soluções para não deitar comida fora. Que é impossível não pensar que mesmo num mundo globalizado é cada vez maior a distância que nos separa em alguns comportamentos e forma de vida. É que à distância de seis horas de avião, pelo menos 498 crianças e "provavelmente centenas de outras" morreram de fome nos quatro meses de guerra no Sudão, anunciou hoje a organização não-governamental (ONG) Save the Children.

E se o Sudão pode parecer uma realidade longínqua, aqui ao lado - pelo menos em proximidade afetiva - em Moçambique, um país com que partilhamos a língua e tanta outra coisa, tem pelo menos 10% da população, equivalente a 3,15 milhões de pessoas, em situação de insegurança alimentar aguda, dos quais 400 mil estão em situação critica, afetando sobretudo Cabo Delgado, segundo dados oficiais.

A Secretária-Executiva do Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutrição (SETSAN), Leonor Mondlane, explicou que "em relação à avaliação pós-colheitas, temos 3,15 milhões de pessoas no país que estão em situação de insegurança alimentar aguda e neste momento decorre trabalho de assistência humanitária, de assistência para o desenvolvimento, para que essas famílias possam recuperar a sua capacidade produtiva”.

O Sudão e Moçambique são apenas duas situações que se repetem pelo mundo todo, na mesma altura em que a Rússia continua a dificultar o transporte de cereais que pode mitigar este problema. A semana passada o  primeiro cargueiro saído da Ucrânia após o fim do acordo sobre cereais chegou a águas turcas, apesar do cerco russo, segundo ‘sites’ da Internet de tráfego marítimo. O porta-contentores Joseph Schulte, com pavilhão de Hong Kong, partiu na quarta-feira do porto ucraniano de Odessa, desafiando a Rússia, que ameaçou atacar tais embarcações desde que pôs fim, em julho, ao acordo pelo qual a Ucrânia podia exportar os seus cereais.

Podemos sempre olhar para esta emergência internacional e dizer que os governos locais são os culpados, podemos continuar a usar a fome em África como chantagem para as crianças comerem o prato até ao fim. Mas não podemos ignorar, nem tentar acreditar que, por um lado a fome é só em África, por outro o facto de existir aí não tem nada a ver connosco.

Cerca de 250 milhões de pessoas sofreram de insegurança alimentar em 2022, "o número mais elevado dos últimos anos", disse no Conselho de Segurança a coordenadora da ONU para a prevenção e resposta à fome, Reena Ghelani. A diplomata australiana, que ocupa o cargo recém-criado desde novembro passado, alertou para o facto de a fome e a insegurança alimentar estarem ligadas à existência de conflitos armados. "A fome e os conflitos alimentam-se mutuamente", afirmou.Ghelani também apontou as condições climáticas como um acelerador dos conflitos e da fome, um "multiplicador de ameaças" nas suas palavras, uma vez que a falta de água e as catástrofes naturais resultam sempre numa competição extrema pelos recursos e na deslocação de pessoas. Assim, dos dez países mais expostos à pressão climática, sete estão em situação de conflito e, de facto, seis desses sete têm uma missão de paz ou uma missão política especial da ONU no seu território; quatro dos quais têm um milhão de pessoas à beira da fome, detalhou.

Falamos de fome de barriga cheia, esquecendo-nos que essa é a posição ideal não para a ignorar, mas para a ajudar a resolver.

*Com Lusa

 
 
 
 

 
 

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