“O importante é que ele [o apoio] seja extraordinário porque depois haverá oportunidade de avaliar qual foi o seu impacto, o seu efeito, e repensar as atuais prestações. Isso faz parte da política e da avaliação das medidas de política”, disse, em entrevista à Lusa, a secretária de Estado Cláudia Joaquim.

A governante, que já liderou a secretaria de Estado da Segurança Social no anterior Governo (2015-2019), referia-se ao Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores, que foi inicialmente orçado em 450 milhões de euros para 2021 e que o Governo, entretanto, alargou para 633 milhões de euros.

Uma das reivindicações do BE para o Orçamento, além de diferenças nas formas de atribuição do apoio, era que este se tornasse uma nova prestação social a ser avaliada no final do ano, ajustada em 2022 e tornada definitiva em 2023, último ano da legislatura, podendo absorver as outras prestações não contributivas.

“O que me parece prematuro é quando se cria uma prestação desta dimensão estar já a assumir que ela é permanente quando ainda nem sequer se avaliou”, disse Cláudia Joaquim à Lusa, quando questionada acerca desta intenção inicial do BE.

Um dos argumentos da governante é que a “estimativa de despesa desta prestação nunca seria esta num contexto que não fosse este”, relacionado com a pandemia de covid-19, tal como sucede com outras prestações sociais.

“E quando for possível avaliá-lo, penso que fará também sentido olhar para este apoio à semelhança dos outros que já existem, e ver como é que se deve recompor as prestações sociais de combate à pobreza e de rendimentos baixos”, defendeu.

Cláudia Joaquim abordou mais algumas das questões que o BE reivindica para o Orçamento e que estiveram no centro da discórdia entre o partido e o Governo, levando também ao voto contra dos bloquistas na votação da generalidade do OE2021.

Relativamente à reivindicação da reversão das regras de atribuição do subsídio de desemprego para o período antes da ‘Troika’, a secretária de Estado reconhece que, “quando é referido que antes da ‘troika’ o prazo de atribuição do subsídio de desemprego é maior, é verdade, mas o prazo de garantia [tempo de trabalho necessário para aceder ao subsídio] também era maior”.

Segundo a governante, isto significa que “havia menos pessoas a conseguir aceder ao subsídio de desemprego”, pelo que para este continuar a existir enquanto substituto dos rendimentos do trabalho “num quadro de sustentabilidade da Segurança Social, não se pode mudar só uma variável, ela tem que ser equilibrada”.

Já sobre o alargamento da condição de recursos para acesso ao subsídio social de desemprego, Cláudia Joaquim disse que o apoio “pressupõe que há uma contributividade, ou que houve”, “mas é uma prestação paga por Orçamento do Estado, por receitas de impostos”, e que por isso exige a condição de recursos.

“A própria lei de bases da Segurança Social tem estes princípios muito vincados. Portanto, também é nesse contexto que o próprio subsídio social de desemprego deve ser avaliado ou reavaliado”, defendeu.

“É completamente errado” tirar conclusões do défice da Segurança Social 

A secretária de Estado do Orçamento considerou que é “completamente errado” olhar para o défice da Segurança Social resultante de uma crise e “daí tirar conclusões” sobre a sua sustentabilidade a longo prazo.

“É completamente errado olhar para um défice conjuntural do sistema de Segurança Social, que resulta de uma situação de crise, seja ela económica, seja financeira, seja pandémica, e daí tirar conclusões sobre a sustentabilidade da Segurança Social pública portuguesa a longo prazo”, disse Cláudia Joaquim à Lusa.

A governante, que já foi secretária de Estado da Segurança Social no Governo anterior (2015-2019), considerou que durante a anterior crise financeira, o sistema de Segurança Social “demonstrou a sua resiliência e a sua capacidade”.

“Isso é muito visível quando nós recuperamos as estimativas que existiam nos relatórios de sustentabilidade da Segurança Social de 2013, 2014, 2015, 2016. Porque na altura, em que havia um défice conjuntural – e houve durante muitos anos – com uma necessidade de transferências do Orçamento do Estado para colmatar esse défice do regime previdencial, o Fundo de Estabilização da Segurança Social tinha um período de necessidade ao recurso a curto prazo imediato”, lembra a governante.

Segundo Cláudia Joaquim, a sustentabilidade do sistema ficou demonstrada “com o crescimento económico, com o aumento de contribuições, com a diminuição das despesas com subsídio de desemprego, mas também com aumentos muito significativos nas pensões e com uma cobertura cada vez maior”.

“Défices conjunturais do sistema de Segurança Social não são ou não podem ser entendidos como o fim da Segurança Social, apesar de muitas vezes haver uma utilização nesse sentido”, por parte de “várias pessoas que fazem opinião”.

Para a governante agora com a pasta do Orçamento, desde que sucedeu ao agora ministro das Finanças, João Leão, em junho, “existe em Portugal um sistema já com uma solidez muito grande, e é importante que os seus principais princípios se mantenham sempre”.

“Um dos principais princípios é o das contribuições assentarem no salário. Quebrar este vínculo pode ser arriscado, aí sim, em termos de sustentabilidade da Segurança Social”, considera, negando que isso signifique “parar no tempo e ter só isto”, dado que “terão sempre de ser equacionadas” outras fontes de financiamento.

“Isso não significa, na minha opinião, que seja necessário sequer alterar estruturalmente a base do sistema e a lógica do sistema”, crê Cláudia Joaquim, admitindo ter “muitas reservas sobre grandes reformas”.

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) deverá atingir 22,2 mil milhões de ativos em 2021, valor que, num cenário de ausência de receitas, daria para pagar as prestações durante 20 meses, disse no dia 26 de outubro a ministra do Trabalho.

Ouvida nesse dia no parlamento, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social Ana Mendes Godinho, disse ainda que aquele valor corresponde a mais oito mil milhões de euros do que em 2015 e equivale a 10,6% do Produto Interno Bruto (PIB), “que é o valor mais alto em termos de evolução do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social [FEFSS]”.

Ana Mendes Godinho precisou também que os primeiros saldos negativos do sistema que se encontram associados às referidas projeções acontecerão no final da década de 2020, “o que significa, na prática, um cenário semelhante” ao que existia para 2018 e 2019.

Esta previsão dos primeiros saldos negativos, disse ainda, representa uma melhoria de 13 anos face ao OE2015, enquanto o esgotamento do FEFSS significa uma melhoria de 17 anos face ao cenário inscrito no OE2015.

O FEFSS funciona como uma ‘almofada’ financeira de segurança a que o Estado recorre em caso de rutura financeira e foi contemplado nos últimos anos com novas fontes de financiamento provenientes do Adicional ao IMI e de uma parcela da receita do IRC.

Em 2021, de forma excecional e por causa dos efeitos da pandemia, estas duas fontes de receita não serão injetadas no FEFSS, sendo atribuídas ao orçamento da previdência.

Em termos de execução orçamental, a Segurança Social registou défices em julho e agosto deste ano, tendo passado a um saldo positivo de 62,8 milhões de euros em setembro, ainda assim uma queda de 97,5% face ao mesmo período do ano passado.