“O Governo central é muito melhor a controlar a despesa do que a executá-la. Estou convencido que as regiões administrativas em vez de trazerem um aumento da despesa pública e um menor rigor orçamental, vão trazer, pelo contrário, um maior rigor orçamental, como aliás acontece hoje com os municípios”, observou José Silva Costa, em entrevista à Lusa.

Enquanto professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), José Silva Costa foi um dos peritos nacionais a quem a Comissão Independente para a Descentralização contratualizou um conjunto de estudos, cujas conclusões foram conhecidas em julho de 2019.

Responsável por um conjunto de quatro pareceres sobre as atribuições, competências e financiamento dos Governos Regionais, o ex-docente argumenta que os municípios estão sujeitos a um conjunto de regras impostas pelo Governo central, executando a sua despesa no estrito cumprimento dessas normas.

Reiterando a defesa de um modelo de regionalização assente no princípio da “geometria variável” - ou seja adequado a cada região - o antigo docente da FEP diz não ter dúvidas que se houvesse “meios suficientes e abundantes”, haveria um consenso em torno da criação de regiões administrativas.

“O problema da falta da regionalização permanece como um elefante na sala, mesmo que o processo de descentralização tenha êxito”, defendeu, acrescentando que as conclusões vertidas no seu trabalho mantêm atualidade.

José Costa Silva considera que existem competências que não eram suscetíveis de ser exercidas através deste processo de descentralização, nomeadamente em matéria de competitividade económica.

Para o perito na área das Finanças Locais, para que o processo de regionalização possa ser bem-sucedido, este não pode ir “depressa demais”, devendo iniciar-se com uma alteração à Constituição da República.

“Tinha de passar por um referendo e para haver um referendo tem de haver uma revisão da Constituição para, em vez de serem duas perguntas, ser só uma. Aquelas duas perguntas são assassinas, porque na verdade é uma pergunta nacional e depois ao nível regional e basta que ao nível regional não esteja de acordo e cai tudo por terra”, disse.

O referendo sobre a regionalização em Portugal realizou-se em 08 de novembro de 1998, tendo sido apresentadas duas propostas aos eleitores portugueses: a primeira sobre se deveriam implementar a regionalização em Portugal; a segunda, sobre se caso fosse aprovada a regionalização, concordavam com a região em que votavam. Ambas as propostas foram rejeitadas.

José Silva Costa acredita que com a abertura demonstrada pela Presidência da República, que era percecionada como um “obstáculo” por muitos académicos, estão reunidas as condições necessárias à realização de um novo referendo sobre a regionalização.

“Não pode ser agora lançada a regionalização sem referendo. Acho que seria a primeira asneira”, afirmou, elencando depois um conjunto de outros critérios que, no seu entender, devem ser seguidos para que a regionalização possa ser bem-sucedida.

Para o antigo docente da FEP, o processo de regionalização tem de ser “um bocadinho ‘soft’”, não podendo “ser muito redistributivo” e moderado em matéria de distribuição de competências.

Por outro lado, tem de haver uma “garantia muito musculada” em relação ao aumento da despesa pública e do endividamento.

Reconhecendo que o processo de descentralização em curso retira pressão e torna “menos urgente” a concretização da regionalização, José Silva Costa reitera que os problemas se mantêm, tal como demonstra a reticência dos municípios em aceitarem a transferência de competências.

“Uma das dificuldades que existe com o processo de descentralização em curso é que ele não atende às diferentes capacidades que os municípios têm para receber competências. Não é por acaso que os municípios de grande dimensão têm tido dificuldade em aceitar as competências da área social, saúde e ensino”, indicou.

Defendendo um modelo de três níveis - governos regionais, entidades intermunicipais e municípios - o perito na área das Finanças Locais criticou ainda o modelo de eleição direta das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), implementado, em 2020, classificando-o como um “ensaio” para a regionalização gerador de “desconfiança”.

“O modelo que foi seguido e a forma como foram eleitos os presidentes das CCDR não criou por parte da generalidade dos eleitores uma ideia de transparência, porque passou a ser uma coisa feita às escondidas pelos partidos políticos em que se põe lá uma pessoa que supostamente representa a população da região”, disse, acrescentando que “não foi um passo positivo”.