O Parlamento Europeu aprovou esta terça-feira uma lei que permite à União Europeia proibir a venda, importação e exportação de produtos fabricados com recurso a trabalho forçado.

Os bens sob suspeita poderão ser investigados pelas autoridades dos 27 países da UE e também pela Comissão Europeia, sobretudo quando se trata de países terceiros, desde os fabricantes às cadeias de abastecimento. Se ficar provado que um produto foi fabricado com recurso a trabalho forçado, deixará de ser possível vendê-lo nos 27 Estados-membro e todas as remessas serão apreendidas nas fronteiras da UE.

As suspeitas de trabalho forçado têm de ter por base informações concretas e verificáveis, e basta que a denuncia, feita por qualquer pessoa ou organização, cumpra estes requisitos para a investigação avançar. São considerados vários fatores e critérios de risco, incluindo a prevalência do trabalho forçado imposto pelo Estado em determinados setores económicos e zonas geográficas.

Uma vez provada a denuncia, a consequência é a retirada do mercado de todos os bens produzidos com recurso a trabalho forçado e a proibição da sua venda. As empresas que violem esta proibição estão sujeitas a multas.

O material apreendido poderá ser doado, reciclado ou pura e simplesmente destruído. Caso os operadores económicos apresentem às autoridades competentes provas de que eliminaram o trabalho forçado das suas atividades ou da cadeia de abastecimento, os produtos em causa podem ser autorizados a regressar ao mercado único da UE.

De acordo com a Organização Mundial de Trabalho (OIT), os lucros anuais com trabalho forçado ultrapassam os 220 mil milhões de euros, mais 37% do que o valor indicado no relatório anterior, publicado há dez anos.

O estudo da OIT aponta para um lucro de mais de 9 mil euros por vítima de trabalho forçado, que em valor tem mais expressão na Europa e na Ásia Central. E nem tudo são empresas privadas, também há Estados envolvidos. A deputada europeia Maria Manuel Leitão Marques (eleita pelo PS), relatora da Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores, lembra países como o Turquemenistão, que força trabalhadores na colheita do algodão - importado por algumas empresas portuguesas, também segundo a OIT.

"Hoje, em todo o mundo, 28 milhões de pessoas [1,3 milhões na Europa] presas nas mãos de traficantes de seres humanos e de Estados que os forçam a trabalhar por pouco ou nenhum salário. A Europa não pode exportar os seus valores enquanto importa produtos fabricados com trabalho forçado. O facto de a União Europeia ter finalmente uma lei para proibir estes produtos é uma das maiores realizações deste mandato e uma vitória para as forças progressistas", afirmou.

Também para a relatora da Comissão do Comércio Internacional, Samira Rafaela (Renovar a Europa, Países Baixos), "este é um dia histórico. Adoptámos um ato legislativo inovador para combater o trabalho forçado em todo o mundo. Este regulamento promove a cooperação da UE e a nível internacional, transfere o poder dos exploradores para os consumidores e para os trabalhadores, além de oferecer possibilidades de recurso às vítimas. Além disso, torna as políticas comerciais num futuro mais ecológico e mais justo".

A lei foi aprovada por 555 votos a favor, seis votos contra e 45 abstenções e o texto terá agora de ser formalmente aprovado pelo Conselho da UE e publicado no Jornal Oficial. Os países da UE terão três anos até as novas regras começarem a ser aplicadas. "É preciso dar tempo à Comissão, que não tem recursos para isto. Dentro de três anos já haverá um novo quadro financeiro plurianual, explica Maria Manuel Leitão Marques.

Este é também o tempo para implementar a base de dados - "vamos criar uma base de dados central para identificar áreas e produtos que mais frequentemente são considerados estar a ser fabricados por trabalho forçado" -, e para definir critérios e linhas orientadoras para as empresas, que até lá poderão "rever as suas cadeias de abastecimento, saber de onde vêm os seus produtos, trabalhar com os seus fornecedores no sentido de resolver a situação na origem".

Antes da abertura de um processo formal haverá sempre uma investigação preliminar, onde as empresas terão o direito de se defender.

Ao adoptar esta medida, o Parlamento Europeu está a responder às expectativas dos cidadãos no que respeita às relações comerciais e de investimento, como expresso nas conclusões da Conferência sobre o Futuro da Europa, que reuniu cerca de 800 cidadãos anónimos dos 27 Estados-membros para conhecer as suas preocupações em matérias concretas e apresentar soluções, uma das promessas feitas por Ursula von der Leyen quando tomou posse como presidente da Comissão Europeia.