O livro, intitulado “A Caminho do 25 de Abril. Uma Organização Clandestina de Oficiais da Armada”, foi escrito pela historiadora Luísa Tiago de Oliveira, e vai ser apresentado esta terça-feira às 18:00 no ISCTE, em Lisboa.

Em declarações à agência Lusa, a historiadora salienta que esta organização clandestina, até agora desconhecida, se constituiu formalmente em 1970, tendo durado até 1974, e as suas atividades de oposição à ditadura eram seguidas por cerca de 300 oficiais, sendo dirigidas pelo almirante Martins Guerreiro e os comandantes Almada Contreiras e Miguel Judas.

Durante o Estado Novo, beneficiando de um “foro especial” atribuído às Forças Armadas - que não eram alvo da vigilância da PIDE -, o grupo promoveu debates, no Clube Militar Naval, com intelectuais de esquerda, como Urbano Tavares Rodrigues ou João Bénard da Costa, mas também operava num plano “completamente clandestino”, organizando sessões para discutir filmes e textos proibidos na altura.

“Discutiam textos sobre a história de África, para mostrar que África não foi civilizada pelos portugueses, que tinha grandes civilizações do Gana, do Mali, e passavam filmes sobre a guerra do Vietname ou o emblemático da oposição que é o ‘Couraçado Potemkine’”, exemplifica a historiadora, que salienta que, a partir destas discussões, surgiam debates sobre o direito à independência das colónias ou sobre a revolução socialista.

Em 1973, alertados para a conspiração do Movimento dos Capitães, que viria a materializar-se no 25 de Abril de 1974, a organização optou por manter uma posição de “neutralidade ativa”, que consistia em não tomar parte na revolta, mas também não lutar contra ela, assumindo “um certo distanciamento” e enviando apenas dois ou três representantes às reuniões.

“Eles temiam que a conspiração inicial do Movimento dos Capitães pudesse ser hegemonizada pelo Kaúlza de Arriaga, de extrema-direita, ou pelos spinolistas, que, para eles, eram muito de direita”, refere Luísa Tiago de Oliveira

Esta atitude explica que a organização não tenha participado diretamente na elaboração do plano de operações do 25 de Abril - a não ser propondo que incluísse a tomada da sede da PIDE e a libertação dos presos políticos, o que o plano acabou por não contemplar -, mas não a impediu de procurar “politizar a revolta”, designadamente dotando-a de um programa, que consideravam “essencial”.

“Eles basicamente concentraram-se em colaborar com o Melo Antunes na feitura do programa [do Movimento das Forças Armadas], porque é o facto de haver um programa que permite que um golpe militar tenha um sentido político e não seja uma quartelada sem juízo”, refere a historiadora.

Nas reuniões da conspiração, a organização “pensou também qual é que devia ser o Governo a seguir [à revolução], propôs nomes e primeiros-ministros”, acrescenta Luísa Tiago de Oliveira, que destaca ainda a relevância que tiveram na escolha da música “Grândola, Vila Morena” como senha da revolução.

“Foi-lhes pedido por Otelo Saraiva de Carvalho que inventassem o sinal para o 25 de Abril. (…) Isso é pedido a um homem do centro de comunicações da Armada, que lembrou-se de fazer um sinal sonoro pela rádio e, como alentejano que era, conhecedor de José Afonso, veio a escolher a ‘Grândola’”, diz, assinalando o impacto que essa escolha veio a ter na dimensão simbólica da revolução.

“Na estética do 25 de Abril em todo o mundo, o que é que nós temos? São os cravos nas espingardas, a revolução pacífica e a ‘Grândola’, que é cantada em todo o lado. E isso é uma escolha da Marinha: eles no fundo acabaram por marcar a nossa imagem do 25 de Abril”, refere.

Luísa Tiago de Oliveira salienta que a Marinha sempre foi, entre os ramos das Forças Armadas, o “mais politizado no sentido mais republicado ou à esquerda”, recordando a Revolta dos Marinheiros de 1936, e inscreve esta organização clandestina precisamente nessa tradição.

50 anos depois do 25 de Abril, Luísa Tiago de Oliveira considera que a organização é hoje praticamente desconhecida porque os “seus protagonistas não falaram muito dela” e porque a Revolução dos Cravos foi “uma obra sobretudo do Exército”.

“Agora, [os membros desta organização clandestina] decidiram falar. É uma espécie de revolta da memória”, diz a historiadora, que refere ter mais de 134 horas de entrevistas gravadas e promete publicar mais livros sobre este grupo de oficiais da Armada.

“Esta organização veio a desaguar no MFA da Marinha, e agora vai seguir um outro livro sobre o MFA da Marinha”, garante.