"O dia da independência para nós é sagrado, mas este ano é muito especial, está a decorrer, infelizmente, o sexto mês da guerra", disse à Lusa Viktoriya Kuchvar, de 43 anos, pouco depois de chegar à Praça de Itália, em Belém, para celebrar com os compatriotas a emancipação do país que viu nascer no fim da era soviética.

Nesta praça há um busto do poeta ucraniano Taras Shevchenko, que conseguiu libertar-se da escravidão e que se tornou um símbolo da luta pela liberdade. Liberdade que há exatamente seis meses foi colocada em causa pelo Kremlin, quando a Rússia iniciou a invasão à Ucrânia, sustentou Viktoriya. Mas, adiantou, não há receios em relação ao futuro: "Muitas pessoas pensaram que a Ucrânia não ia sobreviver. Tinha um comportamento quase paliativo nos primeiros dias da guerra. Mas hoje nós comemoramos o dia da nossa independência. Quer dizer que temos um bom prognóstico".

A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de quase 13 milhões de pessoas -- mais de seis milhões de deslocados internos e quase sete milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções em todos os setores, da banca à energia e ao desporto.

Shevchenko, explicou Viktoriya Kuchvar, batalhou durante 24 anos para conquistar a sua liberdade. Tal como o poeta, a luta da Ucrânia "não está a decorrer há seis meses, nem há oito anos", com a anexação da Crimeia.

A guerra "vai ser dura", talvez ainda mais, mas a cidadã ucraniana, que vive em Portugal há 20 anos, acredita na "vitória a 100%" e "este é um momento histórico" para vencer a Rússia e cortar as restantes amarras ao passado soviético. "Se não é agora, não sabemos se a Ucrânia vai ter outra oportunidade. E a Europa também", advertiu.

Bandeiras azuis e amarelas aos ombros ou empunhadas, algumas das quais com o brasão de armas do país -- o escudo azul com um tridente amarelo. Quase todas as pessoas que se reuniram nesta praça vestiam uma vyshyvanka, a camisola tradicional do país com que o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já fez várias aparições.

O grupo era maioritariamente composto por mulheres e crianças, pertencentes à comunidade a ucraniana a viver no país ou refugiadas que chegaram nos últimos meses.

Pelo meio uma bandeira da União Europeia, com "Ucrânia" escrito no centro, permite que não fique esquecida a aspiração do país de integrar o bloco comunitário e ficar o mais distante possível da esfera de influência de Vladimir Putin. Havia ainda um homem a empunhar uma bandeira vermelha e preta (alusiva ao movimento nacionalista do país).

Viktoriya Kuchvar não regressou à Ucrânia desde o início da guerra. A última vez foi no ano passado e dessa vez ficou mais tempo do que o habitual: "Há uma grande comunidade ucraniana cá e das pessoas que conhecemos todos visitaram a Ucrânia no ano passado. Parece que as pessoas sabiam, sentiram alguma coisa".

"O primeiro impacto, no primeiro dia da guerra... Senti uma grande revolta e quase uma sensação de nojo. Pensei que nunca mais ia ver a minha Ucrânia como a conheço", desabafou.

Regressar, se possível, só em 2023, mas o desejo de Viktoriya Kuchvar era o de poder levar a filha ainda este ano. "Se fosse possível no Natal era ótimo", completou.

Viktoriya sentou-se para escutar os discursos, com a sua bandeira pousada sobre os ombros. Ouviu Pavlo Sadokha, presidente da Associação de Ucranianos em Portugal, dizer que "esta é a última guerra" no Velho Continente e nela "se joga o futuro da Europa".

"Hoje os ucranianos têm de pagar este preço, mas acreditamos que vamos vencer porque temos uma história, temos valores e um grande apoio do mundo civilizado, das pessoas que respeitam a vida humana e a liberdade", acrescentou Pavlo Sadokha, que foi aplaudido pelos compatriotas.

O dirigente associativo descreveu "a tirania" da Rússia ao longo dos últimos seis meses e fez o elogio do que considerou ser a bravura dos ucranianos, apesar da morte de "dezenas de milhares" de pessoas.

As palavras de Sadokha quase podiam ter sido as da embaixadora da Ucrânia em Portugal, Inna Ohnivets -- que vai ser substituída no cargo por outro diplomata. A diplomata referiu que o país está a servir de 'tampão' às pretensões expansionistas de Putin: "O futuro da Europa depende da nossa vitória nesta guerra. O nosso Estado não conseguiu apenas preservar a soberania nacional, mas também mostrar o seu potencial inesgotável".

Viktoriya Kuchvar escutou os discursos, participou nas canções e fez o minuto de silêncio pelas vítimas da guerra, visivelmente emocionada e com a mão direita a agarrar a bandeira, para não deixar cair "a esperança" de uma vitória de Kiev. Ou como escreveu Shevchenko: "Lutai! Combatei! Deus ajuda-vos! Connosco está a verdade".