Nas ruas de Budapeste, os cartazes relativos às campanhas eleitorais para as eleições europeias e regionais de junho ‘ofuscam’ o 20.º aniversário de adesão ao bloco comunitário, mas a data não passa despercebida na histórica Ponte da Liberdade, onde largas bandeiras dos países da UE e publicitárias anunciam o festival “Hello Europa” com eventos culturais em toda a cidade.

Mas apesar dos festejos e dos ganhos com a entrada na UE em 01 de maio de 2004, o percurso europeu da Hungria não é hoje feito de celebração, dadas as controversas posições do primeiro-ministro, Viktor Orbán, que causam tensões entre Budapeste e Bruxelas devido ao desrespeito pelos direitos dos homossexuais e dos migrantes, ao reforço do controlo do Estado sobre associações, tribunais e meios de comunicação social e, recentemente, à oposição ao apoio europeu à Ucrânia.

As posições deste que é já o primeiro-ministro há mais tempo em funções na UE, num total de 14 anos, têm vindo a causar vários impasses, deixando muitas vezes a Hungria isolada, mas tal isolamento é visto com orgulho pela ala conservadora húngara e condenado pelas restantes.

“Quando vou a uma festa e digo às pessoas que sou húngaro, sou sempre olhado de lado. A Hungria é a ovelha negra, a má voz da Europa, está sempre isolada”, assume à Lusa, com um sorriso, o diretor executivo do Colégio Mathias Corvinus em Bruxelas, Frank Füredi.

Antigo comunista e hoje populista democrático, como se descreve, o responsável pelo grupo de reflexão da instituição de ensino apoiada pelo governo húngaro diz à Lusa que “a Hungria é um problema para a Comissão Europeia” por se opor em dossiês como migrações e metas ‘verdes’.

Se Frank Füredi passou do comunismo para o populismo, a agora investigadora Zsuzsanna Szelenyi começou a sua carreira como membro do partido nacional-conservador Fidesz, mas deixou-o “quando Viktor Órban o radicalizou”, conta a especialista à Lusa em Budapeste.

Tal como não esconde o seu passado político, a atual responsável do Instituto de Democracia da Universidade Central Europeia (instituição financiada por George Soros, filantropo e rival de Órban), também não se acanha em designar o chefe de governo húngaro como “um rufia” e “sem escrúpulos”.

“É uma espécie de pioneiro da extrema-direita, mas isso não significa que seja o único, significa que há muitos rufias, mas ele é o mais forte deles, e a mensagem que quero transmitir é que isto pode ser muito prejudicial para a UE”, alerta.

“É um primeiro-ministro autocrático e penso que, se Órban não estivesse presente, a Hungria voltaria muito rapidamente à normalidade europeia”, adianta Zsuzsanna Szelenyi à Lusa.

Opinião semelhante manifesta o especialista em extremismo do Instituto de Capital Político em Budapeste, Bulcsú Hunyadi, que apesar de ver nos ganhos económicos a principal vantagem da UE para a Hungria, deixa avisos ao nível político: “o governo húngaro quer exportar valores iliberais e práticas iliberais para outros países e a UE terá um problema muito maior se isso acontecer”.

“Seria muito importante e aconselhável que a próxima Comissão Europeia continuasse a exercer pressão sobre o governo húngaro”, refere o especialista deste centro independente de investigação, sem esconder preocupação sobre o que diz ser uma “saída inimaginável” da UE, pelo “colapso” económico que isso causaria ao país.

Enquanto o governo húngaro celebra a data com críticas às lideranças europeias, partidos da oposição ouvidos pela Lusa criticam a relação que Viktor Órban tem tido com as instituições comunitárias.

Péter Magyar, que foi diplomata e fez parte do círculo interno de Viktor Órban, defende à Lusa, numa rara entrevista a jornalistas internacionais, “uma discussão honesta e crítica, mas construtiva, com as instituições europeias” com vista a, futuramente, “encerrar o processo contra a Hungria no âmbito do Estado de direito”.

“Gostaríamos de trabalhar em conjunto para uma UE forte, incluindo uma Hungria forte”, salienta Péter Magyar.

Ágnes Vadai, do socialista DK que estava no poder quando a Hungria realizou o referendo que ditou o ‘sim’ à UE, fala numa “atitude militar” de Órban face às instituições europeias, enquanto Gábor Harangozó do também socialista MSZP, que estava no poder quando ocorreu a integração, diz que, “em Budapeste, a maioria das pessoas tem vergonha”.

Segundo Marietta Le, do satírico Partido Húngaro do Cão de Duas Caudas, “é muito frequente ouvir dizer que a Hungria é a ovelha negra e isso é muito triste”.

Márton Gyöngyösi, eurodeputado e presidente do partido de centro-direita Jobbik, afirma à Lusa que o país tem “zero credibilidade” na UE, ao passo que Márton Tompos, vice-presidente do Momentum, lamenta este posicionamento e fala “laboratório político com um dos populistas mais fortes do planeta”.

Pelos Verdes da Hungria, Örs Tetlák critica o “desperdício de tempo e de dinheiro da UE”.

Já o partido de extrema-direita e eurocético A Nossa Pátria diz à Lusa, pela voz de János Árgyelán, que “há vida fora da União”.

Neste 20.º aniversário, a Hungria não festeja as bodas de porcelana e assiste com cautela às próximas.

Ana Matos Neves, enviada da Agência Lusa