De acordo com um relatório de monitorização da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), as análises clínicas representam hoje a “maior despesa com serviços convencionados” com o Serviço Nacional de Saúde, tendo custado ao Estado 378 milhões de euros. As hemodiálises, que até agora eram o setor mais dispendioso para o erário público, custaram 229 milhões de euros no mesmo ano.

A causa para este aumento súbito da despesa deveu-se à covid-19, em particular em 2021, o segundo ano da pandemia da covid-19, porque foi quando se deu o alargamento das convenções para diagnóstico de infetados pelo vírus SARS-CoV-2, através dos testes PCR e rápidos de antigénio (TRAg) feitos em laboratórios e farmácias.

“Os encargos com o setor convencionado de análises clínicas apresentaram uma taxa de crescimento anual de 14,3% entre 2016 e 2021, sendo que foram gastos 378 milhões de euros no último ano em exames laboratoriais, mais 109% do que tinha sido gasto no ano pré-pandemia”, lê-se na monitorização.

No entanto, a ERS ressalva que o financiamento dos testes e o volume com que foram requeridos foram as causas para este incremento da despesa, já que os preços praticados nas análises clínicas convencionadas não sofreram qualquer atualização entre 2016 e 2021.

“O aumento da despesa no setor convencionado decorreu do alargamento da convenção para diagnóstico de doentes infetados por SARS-CoV-2, para realização de testes PCR e de testes TRAg, bem como de aumentos no volume de exames laboratoriais em 2021, e não de alterações de preços praticados entre 2016 e 2021 para os exames laboratoriais não relacionados com a covid-19”, explica a ERS.

O financiamento de tanto os testes PCR com dos TRAg, recorda o documento, fez-se através de portarias que foram sistematicamente atualizadas e que estabeleceram limites ao custo destas análises para o público. Os testes PCR, por exemplo, começaram por ser colocados no mercado pelo preço de 87,95 euros em março de 2020. Dois anos depois, o valor já tinha descido para 30 euros.

Quanto à distribuição do total dos custos destas convenções, o documento adianta que as administrações regionais de saúde (ARS) do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo foram as responsáveis pela maior fatia dos encargos – 39% e 36%, respetivamente -, enquanto as ARS do Alentejo e do Algarve se ficaram pelos 3% cada.

Em termos de proporção, a ARS Centro é aquela que não só oferece “maior oferta convencionada face ao número de habitantes”, como também representa “ o maior rácio de encargos por 1.000 habitantes”. Ao invés, “a ARS Alentejo apresenta simultaneamente o menor rácio de prestadores convencionados e o menor rácio de encargos por 1.000 habitantes”.

Análises clínicas com concentração na oferta

No que toca à oferta disponibilizada aos utentes, a ERS refere no relatório que tem 3.368 estabelecimentos na área das análises clínicas e patologia clínica (247 laboratórios e 3.121 postos de colheitas, dos quais 54 são unidades móveis) registados. Destes, 3.293 não são públicos, mas 95% (3.144) tem convenção com o SNS.

Já no que toca a estabelecimentos inteiramente dedicados à realização de testes Covid-19, em julho de 2022 estavam registados 3.292 postos de colheita dessa natureza.

A ERS aponta também para alguma concentração geográfica da oferta, já que “verifica-se que, na maioria dos concelhos, há menos de 26 estabelecimentos, sendo de mencionar a ausência de oferta (zero estabelecimentos) em nove concelhos, seis dos quais na região do Alentejo, dois na região do Norte e um na região do Centro”, não especificando quais. Em sentido contrário, “a maior concentração, em termos de oferta, encontra-se nos concelhos de Lisboa, Sintra, Almada (região de Lisboa e Vale do Tejo) e no concelho do Porto (região Norte), o que corresponde a regiões com elevado número de habitantes”.

Os dados agora divulgados indicam também que o Alentejo é a região com menor percentagem de estabelecimentos convencionados (44,5%) e que o Algarve tem 100% dos seus prestadores não públicos com convenção para análises clínicas.

Relativamente à concorrência, a ERS denota alguma concentração no mercado. Os 3.144 estabelecimentos com convenção com o SNS pertencem a 76 operadores. No entanto, “foi possível constatar que 23 operadores representam cerca de 90% da totalidade de requisições aceites em Portugal continental no ano de 2021”. Além disso, cerca de 30% dos operadores não públicos apresentaram cerca de 90% da totalidade de requisições aceites em 2021, ano em que se realizaram em média 6.054 atos por 1.000 habitantes.

“O cálculo do rácio de concentração para os quatro grupos mais representativos em cada região de saúde revela índices de concentração elevados nas regiões do Algarve e do Alentejo e moderados nas restantes regiões, revelando-se uma tendência para uma estrutura em oligopólio”, alerta a ERS.

O regulador aponta também para o caso da região do Norte, “com um índice de concentração elevado, significativamente acima do intervalo de valores que, de acordo com as orientações da Comissão Europeia, suscitam preocupações concorrenciais”.

Dois maiores grupos concentram mais de 71% dos tratamentos de hemodiálise

No que toca às hemodiálises, a situação de concentração é ainda mais aguda, já que mais de 92% dos doentes que fazem hemodiálise recebem esses tratamentos nos setores privado e social e os dois maiores grupos empresariais desta área concentram 71,4% do mercado.

De acordo com outra monitorização — esta realizada sobre o setor convencionado de hemodiálise —, “constata-se que os dois maiores grupos – os mesmos que em 2020 e em 2021 – detêm em 2022 uma quota conjunta de 71,4%, o que representa uma ligeira diminuição em relação a 2021 (71,6%) e a 2020 (71,8%), relacionada com a diminuição da quota do grupo que se encontra em segundo lugar”, refere a ERS.

Tal como com as análises clínicas, o regulador não refere quais os nomes dos operadores que lideram o mercado. Segundo o relatório, em junho deste ano 12.426 utentes estavam inscritos em tratamentos de hemodiálise, dos quais apenas 887 (7,14%) em unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Os restantes 11.539 (92,86%) eram tratados em 101 unidades de diálise dos setores privado e social, a maioria dos quais com os tratamentos financiados pelo SNS, através das convenções com as administrações regionais de saúde e de outros acordos. Estas 101 unidades são geridas por apenas 16 entidades concorrentes.

Não obstante a concentração verificada estar abaixo do intervalo de valores que, de acordo com as orientações da Comissão Europeia, suscitam preocupações de concorrência, há já cinco regiões no país “cujos mercados se apresentam com estrutura de monopólio” de unidades privadas, sendo estas Alentejo Litoral, Algarve, Baixo Alentejo, Beiras e Serra da Estrela e Terras de Trás-os-Montes.

Ao invés, há duas regiões – Alto Tâmega e Beira Baixa – onde “não existe qualquer unidade privada, sendo certo que o acesso [aos tratamentos] nestas regiões é garantido por unidades públicas”, refere a ERS.

A ERS apurou ainda que o tempo médio de viagem de um utente entre a sua residência e a unidade privada de hemodiálise em que é acompanhado é, a nível nacional, de cerca de 18 minutos, com o tempo médio atualmente mais elevado na região da Beira Baixa (cerca de 48 minutos).

“Conclui-se que 61,2% do total de utentes estão, presentemente, a ser seguidos na unidade mais próxima da sua residência, o que representa uma melhoria em relação aos anos anteriores (60,3% em 2020 e 60,9% em 2021)”, avança o documento.

A ERS salienta que tem vindo a acompanhar com particular atenção o funcionamento do mercado da prestação de cuidados de hemodiálise, uma vez que “apresenta características estruturais e condicionantes ao seu funcionamento especiais do ponto de vista concorrencial”.

*com Lusa