O ex-presidente, de 88 anos, relatou em conferência de imprensa que descobriu o tumor na última sexta-feira, durante um check-up. "É obviamente algo muito comprometido", disse Mujica.

"E é duplamente complexo no meu caso porque sofro há mais de 20 anos de uma doença imunológica que afetou, entre outras coisas, os meus rins, o que cria dificuldades para técnicas de radioterapia ou cirurgia", explicou, em alusão à vasculite com que foi diagnosticado em 2004.

"Na minha vida mais de uma vez a morte rondou-me [...] Desta vez me parece que veio com a foice em riste e vamos ver o que acontece", afirmou.

Consultada pela AFP, a médica pessoal de Mujica, Raquel Panone, disse que "não está confirmado" que o tumor seja maligno, embora "a imagem seja sugestiva". "Temos de esperar os resultados da anatomia patológica e de outros estudos para decidir o tratamento", informou, enfatizando que o ex-presidente "segue com a sua vida normal".

Mujica, um ex-guerrilheiro que foi deputado, senador, ministro e presidente do Uruguai de 2010 a 2015, continua a ser uma figura de peso na Frente Ampla (FA), coligação de esquerda que esteve no poder de 2005 a 2010, quando assumiu o presidente de centro direita Luis Lacalle Pou.

Nesta segunda-feira, assegurou que continuará a militar politicamente, "fiel" ao seu pensamento: "Enquanto aguentar, aqui estarei".

O seu afilhado político, Yamandú Orsi, favorito a tornar-se candidato presidencial da FA nas eleições de outubro, mostrou-se consternado com a notícia do tumor, mas incentivado pelo exemplo de vida do seu mentor. "Ele mesmo diz-nos que até ao final dos seus dias vai continuar com o mesmo compromisso de sempre. É um convite a todos a redobrarem os seus esforços por um país melhor", disse Orsi a jornalistas.

Personalidades de todo o espectro político uruguaio enviaram mensagens afetuosas a Mujica, incluindo o ex-presidente Julio Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000), também octogenário e durante décadas o seu adversário ferrenho.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também saudou, nesta segunda-feira, "o irmão Mujica". "É um farol na luta por um mundo melhor", publicou na sua conta na plataforma X com uma foto dos dois a bordo do lendário Fusca de Mujica.

Nascido em Montevidéu em 20 de maio de 1935, José Alberto Mujica Cordano foi membro da guerrilha dos MLN-Tupumaros que se insurgiu contra governos democráticos nas décadas de 1960 e 1970.

Embora derrotados em 1972, muitos uruguaios culparam-nos de criar as condições para o golpe de Estado de 1973 que iniciou uma ditadura cívico-militar que durou até 1985. Mujica passou 12 anos preso durante este tempo, grande parte deles em regime de isolamento.

Na sua mensagem desta segunda-feira, deu alguns conselhos aos jovens. "Quero dizer-lhes que a vida é bela, e que passa, que se esvai, e o X da questão é recomeçar todas as vezes que caímos", disse, defendendo que se opte sempre pelo amor no lugar do ódio.

"A única liberdade que existe está na cabeça e chama-se vontade; se não a usamos, não somos livres", enfatizou. "No mais, sou grato e no fim das contas, aproveitei a vida", concluiu, perante aplausos e gritos de "Vamos, Pepe!".

Mujica, que não teve filhos, mora com a esposa, Lucía Topolansky, uma ex-guerrilheira como ele e ex-vice-presidente do Uruguai entre 2017 e 2020, num local nos arredores de Montevidéu, onde ele mesmo cuida de uma horta.